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Fábrica

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      Roberto verificou o tambor que estava carregado. Apressou-se para investigar o barulho que vinha do fundo da Fábrica. Dobrou a quina do prédio e assustou-se com o cão que veio sobre ele. Ambos se odiavam, e não fosse a corrente, teriam se mordido e brigado até a morte. Depois de suspirar e aspirar o ódio, o vigia seguiu alguns passos e reparou o cano longo que despontava na janela do primeiro andar do prédio que ficava mais a frente. Jogou-se ao chão e rodopiou para a direita acompanhado pelo som do disparo. Sentiu um arrepio na espinha. Livrara-se por pouco.
      Havia muito que não invadiam a Fábrica. Estavam a roubar as máquinas desativadas. Valiam dinheiro. Eram de um metal caríssimo. Primeiro as desmontavam e depois empilhavam-nas sobre um caminhão que jazia próximo à cerca.
      Roberto esgueirou-se pelo canto do prédio e seguiu para a porta lateral. Sua adrenalina estava a transbordar, como dissera. Chamou o reforço pelo rádio que trazia ao peito, mas não esperou. Entrou pela porta e seguiu agachado pelo corredor até uma janela de vidro. Ouviu alguns sussurros que vinham do coração da Fábrica. Sentiu-se estúpido ao lembrar da família, da mulher e do filho. Soube que era tarde quando logo mais surgiu encapuzado à sua direita um homem coberto de preto que foi surpreendido pelos disparos de um calibre trinta e oito. Roberto assustara-se com a cena que produzira e com a vida que condenara sem ao menos pensar. Atirou movido pelo sangue quente e pelo reflexo ligeiro. Já estava condenado à luta.
      Os bandidos começaram a disparar em direção à porta. Roberto jogou-se ao chão e foi ao canto oposto de onde jazia o fresco cadáver. Os homens gritavam violências de dentro da Fábrica. Não fosse a coragem, teria pulado qualquer muro e corrido alguns quilômetros daquele inferno.
      O guarda avistou uma janela que dava para a guarita. De lá teria mais visão e segurança. Levantou-se e feito tiro correu e se jogou por ela. Acompanhou-o um tiro de espingarda e um projétil defeituoso que lhe mordeu a perna esquerda. Roberto caiu sobre uma mesa e jogou-se ao chão. Arrastou-se para o canto próximo à janela. Levantou o braço e disparou às cegas. Ouviu um grito. Acertara alguém. Reforçou o pedido de socorro pelo rádio e alertou sobre seu ferimento. Verificou o tambor que estava vazio. A sorte faltara para com ele. Sua estupidez poderia custar-lhe a vida. Os homens agrediam-no e insultavam-no com palavras e projéteis. Roberto, que não era disso, pôs-se a rezar. Os bandidos se retiraram. Um só homem causara tamanho estrago. Não esperavam pelo tumulto.
      O reforço não tardou chegar e a polícia isolou o local. Roberto foi socorrido e cuidado. Sua perna ganharia apenas uma cicatriz. A bala passara de raspão e cortara a carne. A ferida maior foi a culpa da morte. Nunca pensara ele matar alguém. Pesava-lhe sobre a alma. O chefe de polícia veio e pediu-lhe o revólver. Os olhos aflitos do policial encontraram os olhos angustiados de Roberto. O homem perguntou-lhe como estava. Roberto balançou a cabeça. Sabia o homem que Roberto não suportaria a verdade daquela noite. Nem nunca imaginou Roberto que ela fosse tão cruel. Viu passar a maca com o cadáver. A mão defunta estava nú. Franziu e assustou-se quando reconheceu o anel de brilhante junto a um dedo disforme. Num sobressalto correu espantado ao corpo. Arrancou-lhe o lençol. Gritou. Era o filho.